segunda-feira, 16 de março de 2009

Íntegra do parecer do Procurador: RCED nº 51

RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA (RCED) N. 51

ASSUNTO: RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA – INELEGIBILIDADE – 12ª ZONA ELEITORAL – FLORIANÓPOLIS

RECORRENTES: COLIGAÇÃO AMO FLORIANÓPOLIS (PP/PTB); PARTIDO PROGRESSISTA – PP DE FLORIANÓPOLIS

RECORRIDOS: DÁRIO ELIAS BERGER; JOÃO BATISTA NUNES; COLIGAÇÃO O TRABALHO CONTINUA (PMDB/PR/ PRB/ PSC/ PRTB/ PSB/ PHS/ PRP); PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO – PMDB DE FLORIANÓPOLIS; PARTIDO DA REPÚBLICA – PR DE FLORIANÓPOLIS; PARTIDO REPUBLICANO BRASILEIRO – PRB DE FLORIANÓPOLIS; PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO – PSB DE FLORIANÓPOLIS; PARTIDO SOCIAL CRISTÃO – PSC DE FLORIANÓPOLIS; PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO – PRTB DE FLORIANÓPOLIS; PARTIDO HUMANISTA DA SOLIDARIEDADE – PHS DE FLORIANÓPOLIS; PARTIDO REPUBLICANO PROGRESSISTA – PRP DE FLORIANÓPOLIS

MM. Juiz Relator.

Cuida-se de recurso contra expedição de diploma interposto pela Coligação ‘Amo Florianópolis’ e pelo PP de Florianópolis, integrante daquela, em desfavor dos recorridos Dário Berger e João Nunes, o primeiro re-eleito Prefeito de Florianópolis no pleito eleitoral transato, e o segundo, eleito Vice-Prefeito daquela Capital, ambos pela Coligação ‘O Trabalho Continua’, e igualmente contra a referida Coligação e todos os partidos políticos que a integram, ao argumento de que, nos termos de recente decisão do e. TSE (Autos RESPE nº 32.507), o recorrido Dário Berger, por estar em pleno exercício de seu quarto mandato consecutivo como Prefeito – dois deles exercidos em São José (1997-2000 e 2001-2004), e um em Florianópolis (2005-2008) –, é inelegível nos termos do art. 14, § 5º, da Constituição da República, requerendo, por isso, a cassação do seu diploma e do citado Vice-Prefeito de sua chapa majoritária (fls. 02-73).

Em suas contra-razões, o PMDB suscitou, preliminarmente, que (i) esta Corte Eleitoral respondeu Consulta (nº 2.147, Classe X) no sentido de permitir a participação do recorrido Dário Berger, como candidato a Prefeito, no pleito eleitoral em Florianópolis, no momento em que exercia seu segundo mandato como tal em São José, tendo essa decisão transitada em julgado, pelo que resta preclusa a insurgência dos recorrentes; e (ii) o princípio da segurança jurídica deve prevalecer sobre a guinada jurisprudencial frente ao tema ocorrida no e. TSE, segundo a qual se criou nova hipótese de inelegibilidade de fato antes permitido nos termos dos remansosos precedentes daquela mesma Corte Superior Eleitoral; (iii) no mérito propriamente dito, aduziu que, nos termos do art. 14, § 5º, da Constituição da República, o que se veda é a re-eleição para o terceiro mandato subsequente numa mesma circunscrição eleitoral, o que não ocorre no presente caso, razões pelas quais pugnou pelo desprovimento do recurso (fls. 100-132).

Por sua vez, em suas contra-razões, o Vice-Prefeito recorrido, João Nunes, e o PR de Florianópolis, arguiram, preliminarmente, (i) preclusão, pelo fato de os recorrentes não terem impugnado o registro de candidatura do Prefeito recorrido a tempo e modo; e (ii) nulidade da citação do Vice-Prefeito como parte, já que é mero litisconsorte, uma vez que os fatos articulados na inicial não lhe dizem respeito; no mérito, sustentaram que (iii) o art. 14, § 5º, da Constituição da República, está restrito à vedação do exercício de um terceiro mandato no mesmo Município no qual exerceu os outros dois; (iv) deve prevalecer o princípio da segurança jurídica, aplicando-se o novo paradigma do e. TSE tão-somente para as eleições futuras; e (v) o eventual provimento do RCED em questão não pode afetar o Vice-Prefeito recorrido, já que os fatos alegados são estranhos à sua pessoa (fls. 148-189).

A Coligação ‘O Trabalho Continua’ apresentou suas contra-razões, ratificando as declinadas pelo PMDB nas fls. 100-132 (fls. 195-210).

O PSB de Florianópolis, a seu turno, apresentou contra-razões, suscitando preliminar de (i) preclusão, por não terem os recorrentes apontados a tempo e modo eventuais irregularidades a respeito do Prefeito recorrido atinentes ao pleito eleitoral de 2004 e 2008; e (ii) nulidade a respeito de sua citação, já que é mero litisconsorte; no mérito, aduzindo que (iii) não há similaridade entre os precedentes invocados do e. TSE e o caso ora sob julgamento; (iv) esta Corte Eleitoral respondeu Consulta permitindo que o recorrido Dário Berger participasse do pleito municipal de 2004 como candidato a Prefeito, mesmo depois de ter exercido este cargo por duas vezes em São José; (v) invocando o princípio da segurança jurídica, segundo o qual a revisão jurisprudencial radical tão-somente poderia ser aplicada a pleitos eleitorais supervenientes; e (vi) o Vice-Prefeito não pode ser atingido caso haja eventual provimento do recurso, pugnou pelo desprovimento do recurso (fls. 213-226).

Já o PRP de Florianópolis, em suas contra-razões, repisou os fundamentos apresentados pelo PSB, antes mencionados (fls. 228-241).

Por fim, o Prefeito recorrido, Dário Berger, em suas contra-razões, suscitou preliminar (i) de não conhecimento do recurso, pelo fato do seu domicílio eleitoral em Florianópolis, decorrente da transferência do seu antigo domicílio – sito em São José –, ser regular, não podendo ser enquadrado nos termos do art. 262, I, do Código Eleitoral – CE, posto que este prevê a estrita hipótese de inelegibilidade, ao passo que os recorrentes invocam ausência de condições de elegibilidade (art. 14, § 3º, IV, da Constituição da República); no mérito, aduziu que (ii) o princípio da segurança jurídica deve prevalecer, face à Consulta Eleitoral por ele formulada a esta Corte Eleitoral, que permitiu sua participação nas eleições municipais em Florianópolis em 2004; (iii) não há similitude fática entre o precedente do e. TSE invocado e a sua particular situação; e (iv) os recorrentes não impugnaram a sua transferência de domicílio eleitoral de São José para Florianópolis em 2003, nem seus registros de candidatura a Prefeito de Florianópolis em 2004 e 2008, nem a expedição de seu diploma referente às eleições de 2004, pelo que pugnou pelo desprovimento do recurso (fls. 245-384).

O PRB, PSC, PRTB e PHS deixaram transcorrer in albis o prazo para apresentarem suas contra-razões (certidão de fl. 385).

Instado, o Ministério Público Eleitoral refutou as preliminares de (i) não cabimento do recurso, por falta de previsão do art. 262, I, do CE, suscitada pelo Prefeito recorrido; (ii) coisa julgada; (iii) segurança jurídica; (iv) preclusão e (v) ilegitimidade passiva como partes, esta suscitada pelo Vice-Prefeito e por algumas greis partidárias recorridas, os quais afirmaram que são litisconsortes, e por isso suas citações deveriam ser consideradas nulas, (vi) além de aduzir ser desnecessário a produção de provas pleiteadas por vários dos recorridos; no mérito propriamente dito, (vii) ressaltando que tem entendimento diverso do recém precedente do e. TSE no sentido de impedir a eleição de Prefeito por mais de dois mandatos consecutivos, ainda que em Municípios diversos, até porque a inelegibilidade deve ser expressa e o cargo de Prefeito num Município deve ser entendido como diverso daquele exercido em outro, pugnou pelo desprovimento do recurso (fls. 386-400).

Remetidos os autos a esse e. TRE e promovida a distribuição da relatoria, foi dada vista à Procuradoria Regional Eleitoral – PRE.

É o relatório. Passa-se à manifestação.

Inicialmente, verifica-se que o RCED em questão não veio acompanhado da respectiva ata de diplomação, que é o marco inicial para a contagem do prazo de três dias para interpô-lo.

Ocorre que, nos termos de recente precedente do e. TSE, no qual se discutia a tempestividade de RCED, constou a seguinte passagem no corpo do acórdão (fl. 10 do acórdão):

Alega-se, inicialmente, que a cópia material do diploma não foi apresentada. Afasto, porque todos os atos são públicos e a tempestividade foi reconhecida sem discussão. Essa alegação veio posteriormente. [1]

Ora, sabe-se que a diplomação dos Prefeito e Vice-Prefeito recorridos ocorreu em 18.12.2008 (vide notícia na própria página desta Corte Eleitoral, acostada na fl. 70, grifo em verde), e que o recurso foi interposto em 7.01 p.p., portanto no tríduo legal de regência, considerando-se o recesso desta Corte Eleitoral (20.12 a 6.01), no qual os prazos recursais foram prorrogados para 7.01 próximo, não havendo nenhuma discussão a respeito.

Nesses termos, o primeiro dia do prazo para se interpor RCED foi 19.12.2008, sexta-feira, sendo que o respectivo término se daria em 21.12 próximo, domingo, pelo que se prorrogaria para 22.12 subsequente.

E esse pormenor atrai a incidência do disposto no art. 1º da Res. TRESC nº 7738, de 3.12.2008, publicada no Diário de Justiça Eletrônico em 9.12.2008, que assim dispõe – grifou-se:

Art. 1º Os prazos na Justiça Eleitoral de Santa Catarina - incluído o estabelecido no art. 7º da Lei n. 6.091, de 15.8.1974 -, cujos vencimentos ocorram de 20 de dezembro de 2008 a 6 de janeiro de 2009, inclusive, ficam prorrogados até o dia 7 de janeiro de 2009.

Portanto, o prazo final para a interposição do RCED, no caso concreto ora sob julgamento, foi prorrogado para 7.01 p.p., data na qual efetivamente foi protocolado este (fl. 02).

Dito isso, passa-se à análise das preliminares arguidas pelos recorridos.

Quanto à preliminar suscitada pelo Prefeito recorrido, Dário Berger, segundo a qual não há previsão de ausência de condição de elegibilidade como hipótese passível de interposição de RCED, já que, nos termos do art. 262, I, do CE, apenas no caso de inelegibilidade seria possível sua interposição, não comporta acolhimento. Vejamos.

A questão referente ao domicílio eleitoral do Prefeito recorrido é, efetivamente, uma condição de elegibilidade (art. 14, § 3º, IV, da Constituição da República), vale dizer, o fato de o Prefeito ter transferido seu domicílio eleitoral de São José, onde exerceu dois mandatos como Prefeito, para Florianópolis, em 2003, tem aquela natureza jurídica.

Ocorre que o enfoque do presente RCED é completamente diverso, qual seja, está embasado na inelegibilidade decorrente da violação ao art. 14, § 5º, da Constituição da República, no qual está previsto expressamente que:

O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único mandato subseqüente.

Trata-se, pois, de hipótese de inelegibilidade relativa, vale dizer, que incide ou não de forma contingente, a depender do exercício ou não do respectivo cargo do Poder Executivo pelo candidato, e em caso positivo, da quantidade de vezes em que este o exerceu, concluindo-se assim pela incidência do art. 262, I, do CE, que permite a interposição do RCED à hipótese.

Pela rejeição, pois, da referida preliminar.

Quanto à preliminar de nulidade de citação do Vice-Prefeito como parte, já que ele é tão-somente litisconsorte, posto que os fatos invocados na inicial não foram por ele praticados, não merece acolhida.

Com efeito, dado o caráter subordinado do cargo em questão ao do Prefeito, os efeitos da decisão em RCED necessariamente o atingem, caso a este seja dado provimento, cassando-se os diplomas de ambos, automaticamente, nos termos do seguinte precedente da Corte Superior Eleitoral:

Segundos embargos de declaração. Alegação. Omissão. Contradição. Não-caracterização. Objetivo. Rediscussão. Matéria. Descabimento.

1. A questão relativa ao alcance da decisão proferida em recurso contra expedição de diploma a atingir candidato a vice-prefeito não pode ser suscitada pelo titular, uma vez que a ninguém é dado pleitear, em nome próprio, direito alheio. Precedente.

2. De qualquer forma, como consignado na decisão embargada, a cassação do mandato do prefeito alcança a do vice-prefeito que integrou sua chapa, dada a relação jurídica subordinada, não se fazendo necessária a citação deste para integrar a lide como litisconsorte.

3. Os segundos embargos de declaração somente podem ser admitidos caso ocorra omissão, contradição ou obscuridade existente no acórdão relativo aos primeiros embargos.

Embargos não conhecidos. [2]

Igualmente, o Vice-Prefeito recorrido alega que eventual provimento do presente RCED não pode lhe afetar, posto que não se fez menção à sua participação nos fatos objeto deste, o que também não deve ser reconhecido, nos termos do precedente acima transcrito.

Pelo não acolhimento, portanto, da dita preliminar suscitada pelo Vice-Prefeito recorrido.

No que toca à preliminar de nulidade de citação arguida pelas agremiações partidárias recorridas, as quais afirmaram que não são partes, e por isso a citação delas deveria ser na condição de litisconsortes, deve ser rejeitada de plano.

E isto porque, na condição de parte propriamente dita, nenhum prejuízo tem aquelas greis partidárias, caso fossem reconhecidas como litisconsortes dos Prefeito e Vice-Prefeito recorridos, sendo que, ademais, o e. TSE sequer reconhece aqueles partidos políticos como litisconsortes de seus candidatos eleitos em sede de RCED, conforme o seguinte precedente:

Agravo regimental. Agravo de instrumento. Recurso contra a expedição de diploma. Vereador. Cônjuge. Prefeito. Ausência. Desincompatibilização. Inelegibilidade. Art. 14, § 7º, da Constituição Federal. Preclusão. Não-ocorrência. Litisconsórcio passivo necessário. Partido político. Inexistência.

1. O cônjuge de prefeito é inelegível ao cargo de vereador, na mesma circunscrição, salvo se o titular se afastar do cargo seis meses antes do pleito. Precedentes.

2. A inelegibilidade fundada no art. 14, § 7º, da Constituição Federal pode ser argüida em recurso contra a expedição de diploma, por se tratar de inelegibilidade de natureza constitucional, razão pela qual não há que se falar em preclusão, ao argumento de que a questão não foi suscitada na fase de registro de candidatura (Ac. nº 3.632/SP). Precedentes.

3. No recurso contra a expedição de diploma, não há litisconsórcio passivo necessário entre o diplomado e o partido político.

4. Fundamentos da decisão agravada não infirmados.

5. Agravo regimental desprovido. [3]

Pelo não acatamento, portanto, da mencionada preliminar.

Quanto à preliminar de coisa julgada face à Consulta formulada pelo recorrido Dário Berger – a quem esta Corte Eleitoral respondeu afirmativamente no sentido de que

Prefeito reeleito, que atenda ao prazo de desincompatiblização do cargo até seis meses antes da eleição, bem como aos requisitos de elegibilidade previstos em lei, pode candidatar-se ao cargo de Prefeito em outro município, desde que este não tenha sido criado em razão de desmembramento, incorporação ou fusão, salvo se ocorrrido o desmembramento há dois ou mais pleitos. [4]

–, impõe-se sua rejeição.

Com efeito, apesar de constar no SADP3 – Acompanhamento Processual desta Corte Eleitoral que houve o trânsito em julgado daquele Acórdão para a parte interessada em 29.09.2003, e para a PRE em 6.10.2003, o aludido termo em si é impróprio – ou se refere à coisa julgada eminentemente formal –, já que, efetivamente, não se deve falar em coisa julgada material em se tratando de Consulta Eleitoral, posto não ter ela caráter jurisdicional, tanto que um de seus requisitos é de que seja formulada em tese (art. 30, VIII, do CE). Nesse sentido, o seguinte precedente do STF, verbis:

MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA RESPOSTA DO TRE A CONSULTA EM MATERIAL ELEITORAL. NÃO CABIMENTO. - RESPOSTA DE TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL A CONSULTA EM MATÉRIA ELEITORAL NÃO TEM NATUREZA JURISDICIONAL, MAS, NO CASO, E ATO NORMATIVO EM TESE SEM EFEITOS CONCRETOS POR SE TRATAR DE ORIENTAÇÃO SEM FORÇA EXECUTIVA COM REFERENCIA A SITUAÇÃO JURÍDICA DE QUALQUER PESSOA EM PARTICULAR. ASSIM SENDO, NÃO E CABIVEL MANDADO DE SEGURANÇA PARA AFASTAR ATO DESSA NATUREZA, TENDO EM VISTA O PRINCÍPIO QUE SE EXTRAI DA SÚMULA 266: "NÃO CABE MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA LEI EM TESE". RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. [5]

Ademais, a decisão em Consulta Eleitoral não vincula este Tribunal Eleitoral, face à sua natureza administrativa, conforme antes visto, o qual pode confirmá-la, total ou parcialmente, ou mesmo revê-la, quando do julgamento dos processos de caráter propriamente jurisdicional, afetos à sua competência, que tratem de fato concreto, como o é o RCED em questão.

Da Consulta em questão, o recorrido Dário Berger invoca, também, o princípio da segurança jurídica, o que igualmente não pode ser aceito, devido às próprias razões acima consignadas, uma vez que o caráter dessa decisão é precário, não amparando sequer expectativa de direito ou coisas do gênero, conforme visto.

A decisão em Consulta Eleitoral, portanto, não tem natureza jurisdicional, e, por isso, dela não resulta coisa julgada material, como pretendem os recorridos.

Pela rejeição, assim, da citada preliminar invocada.

Quanto à preclusão invocada pelos recorridos, os quais sustentam que o momento próprio para se levantar a inelegibilidade invocada pelos recorrentes já estaria ultrapassado, também deve ser afastada.

Com efeito, a inelegibilidade trazida à baila pelos recorrentes tem natureza constitucional, conforme antes visto, nos termos do art. 14, § 5º, da Constituição da República, sendo passível, portanto, de ser ventilada em RCED.

Nesse sentido, recente decisão da Corte Superior Eleitoral, in verbis:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. DEPUTADO ESTADUAL. REJEIÇÃO DE CONTAS. INELEGIBILIDADE INFRACONSTITUCIONAL. PRECLUSÃO (ART. 259, CE). CONDENAÇÃO CRIMINAL. TRÂNSITO EM JULGADO. NECESSIDADE. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. JUÍZO COMPETENTE (ART. 15, III e V, CF). VIDA PREGRESSA (ART. 14, § 9º, CF). AUTO-APLICABILIDADE. AUSÊNCIA. PRECEDENTES.

- A inelegibilidade apta a embasar o recurso contra expedição de diploma há que ser de índole constitucional, sob pena de preclusão, tendo em vista o disposto no art. 259 do Código Eleitoral.

- Se a rejeição de contas não tiver sido objeto de impugnação de registro de candidatura, não pode ser suscitada pela primeira vez em sede de RCEd, uma vez que se trata de matéria infraconstitucional.

- A suspensão dos direitos políticos por condenação criminal (CF, art. 15, III) pressupõe o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, e a decorrente de improbidade administrativa (CF, art. 15, V) requer decisão expressa e motivada do juízo competente.

- Na ausência de lei complementar estabelecendo os casos em que a vida pregressa do candidato implicarão inelegibilidade, não pode o julgador, sem se substituir ao legislador, defini-los.

- Agravo regimental a que se nega provimento. [6]

Pelo afastamento, assim, de dita preliminar.

Quanto à falta de similitude fática entre o caso ora sob julgamento e os novos precedentes do e. TSE que embasaram o presente RCED, alegada pelos recorridos PSB e PRP de Florianópolis, e também pelo Prefeito, Dário Berger, e a aplicação do princípio da segurança jurídica, o qual deveria prevalecer no caso em questão, que foi invocada, de um modo geral, pelos recorridos, as mencionadas matérias serão objetos de análise dentro do mérito propriamente dito do RCED.

Antes disso, entretanto, há que ser enfrentada a questão acerca da dilação probatória requerida pelos recorridos, a qual, em princípio, é permitida pelo e. TSE. [7]

Apesar de possível, no entanto, cabe frisar que nenhum dos pedidos de dilação probatória efetuados pelos recorridos, seja genérico, ou mesmo referente a algum documento específico ou oitiva de testemunhas, merecem ser acolhidos.

Com efeito, o RCED ora sob julgamento trata, exclusivamente, de matéria de direito, pelo que despicienda a produção probatória requerida por aqueles, devendo ser descartados de plano tais pedidos.

Quanto ao mérito, passa-se ao seu enfrentamento.

Os fatos de o recorrido Dário Berger ter sido Prefeito de São José de 1997 a 2004, vale dizer, por dois mandatos consecutivos (1997-2000 e 2001-2004), e, após transferir seu domicílio eleitoral para Florianópolis em 2003, lograr êxito nas eleições municipais de 2004 como Prefeito daquela Capital, mandato este exercido de 2005 a 2008, e tendo sido re-eleito como tal nas eleições de 2008, são incontroversos.

Cabe salientar que, conforme antes visto, o recorrido Dário Berger, em 2003, quando ainda exercia o mandato de Prefeito de São José pela segunda vez, formulou Consulta perante esta Corte Eleitoral, a respeito da viabilidade de ele se candidatar a Prefeito por outro Município, a qual foi respondida afirmativamente, considerando que se tratava de outro cargo, devendo por isso haver a desincompatibilização do mencionado cargo até seis meses antes das eleições vindouras, mesmo entendimento adotado pelo e. TSE naquela ocasião, conforme se verifica na Res. TSE nº 21487 (Relator Ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, publicada no DJ de 16.09.2003, pág. 76).

Ocorre que, no ínterim em que foi re-eleito Prefeito em Florianópolis no pleito transato e a sua respectiva diplomação, sobreveio mudança no entendimento da Corte Superior Eleitoral, mediante dois precedentes que foram publicados em 17.12.2008, a seguir transcritos:

RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2008. REGISTRO CANDIDATURA. PREFEITO. CANDIDATO À REELEIÇÃO. TRANSFERÊNCIA DE DOMICÍLIO PARA OUTRO MUNICÍPIO. FRAUDE CONFIGURADA. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO § 5º DO ART. 14 DA CB. IMPROVIMENTO.

1. Fraude consumada mediante o desvirtuamento da faculdade de transferir-se domicílio eleitoral de um para outro Município, de modo a ilidir-se a incidência do preceito legal disposto no § 5º do artigo 14 da CB.

2. Evidente desvio da finalidade do direito à fixação do domicílio eleitoral.

3. Recurso a que se nega provimento. [8]

MUNICÍPIOS DIFERENTES. IMPOSSIBILIDADE. INDEVIDA PERPETUAÇÃO NO PODER. OFENSA AOS §§ 5º E 6º DO ART. 14 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NOVA JURISPRUDÊNCIA DO TSE.

Não se pode, mediante a prática de ato formalmente lícito (mudança de domicílio eleitoral), alcançar finalidades incompatíveis com a Constituição: a perpetuação no poder e o apoderamento de unidades federadas para a formação de clãs políticos ou hegemonias familiares.

O princípio republicano está a inspirar a seguinte interpretação basilar dos §§ 5º e 6º do art. 14 da Carta Política: somente é possível eleger-se para o cargo de "prefeito municipal" por duas vezes consecutivas. Após isso, apenas permite-se, respeitado o prazo de desincompatibilização de 6 meses, a candidatura a "outro cargo", ou seja, a mandato legislativo, ou aos cargos de Governador de Estado ou de Presidente da República; não mais de Prefeito Municipal, portanto.

Nova orientação jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral, firmada no Respe 32.507. [9]

Assentado esse novo entendimento adotado pela Corte Superior Eleitoral, cabe agora a definição acerca da possibilidade jurídica, num sentido lato, em aplicá-lo ao fato de o recorrido Dário Berger ter sido eleito, por duas vezes, Prefeito de São José, tendo exercido regularmente seus mandatos, e após ter se desincompatibilizado do último e transferido seu domicílio eleitoral para Florianópolis – um ano antes das então próximas eleições –, sem solução de continuidade, exercido a Prefeitura de Florianópolis por um mandato, e re-eleito para outro, que é justamente o que ora se discute.

A falta de similitude fática entre os citados novos paradigmas do e. TSE sobre a matéria e o caso concreto em questão, não pode ser aceita.

Com efeito, o precedente referente aos autos RESPE nº 32507 diz respeito ao fato de um candidato ter exercido mandato de Prefeito em um Município no exercício de 2001 a 2004, e ter sido eleito para exercer o mandato de Prefeito em outro Município no período de 2005 a 2008, e neste último, ter tentado a re-eleição que foi vedada pela Corte Superior Eleitoral, reconhecendo assim sua inelegibilidade.

Quanto ao RESPE nº 32539, o candidato exerceu dois mandatos de Prefeito consecutivos em um mesmo Município, nos períodos de 2001 a 2004 e 2005 a 2008, tentando obter nova eleição como Prefeito em Município diverso, o que igualmente foi obstado pelo e. TSE (este equivale, em termos idênticos, à eleição do recorrido, Dário Berger, como Prefeito de Florianópolis em 2004, ano em que se elegeu Prefeito daquela Capital, após ter exercido o mandato de Prefeito de São José por duas vezes consecutivas, o que era permitido, conforme o então entendimento daquele Tribunal Superior).

Dos novos precedentes em questão, contudo, conclui-se que a nova interpretação do art. 14, § 5º, da Constituição da República, empreendida pelo e. TSE, é no sentido de que não seja mais possível a eleição ou mesmo re-eleição de um Prefeito para um terceiro mandato consecutivo, seja no mesmo ou em Município diverso, consubstanciada na seguinte passagem da ementa acima transcrita, referente ao RESPE nº 32539, in verbis:

[...] O princípio republicano está a inspirar a seguinte interpretação basilar dos §§ 5º e 6º do art. 14 da Carta Política: somente é possível eleger-se para o cargo de "prefeito municipal" por duas vezes consecutivas. Após isso, apenas permite-se, respeitado o prazo de desincompatibilização de 6 meses, a candidatura a "outro cargo", ou seja, a mandato legislativo, ou aos cargos de Governador de Estado ou de Presidente da República; não mais de Prefeito Municipal, portanto. [...] [10]

Sob essa ótica, verifica-se que a situação do recorrido Dário Berger é mais grave do que aquelas que ensejaram os precedentes antes aludidos, pois este está exercendo o mandato de Prefeito pela quarta vez consecutiva, o que é uma verdadeira afronta ao princípio republicano, ainda mais acentuada quando observado o contexto da situação em si, qual seja, o de ele ter exercido todos esses mandatos em Municípios vizinhos, pertencentes à denominada ‘Grande Florianópolis’, valendo ressaltar, apenas de passagem, que seu irmão, Djalma Berger, logrou êxito em se eleger Prefeito de São José nas eleições municipais transatas, fato que, se não repercute diretamente no presente feito, ao menos é um indício de hegemonia familiar no Poder Executivo de Florianópolis e suas adjacências.

Mas os precedentes em questão não permitem sequer o exercício de três mandatos consecutivos de Prefeito em Municípios diferentes, mesmo que muito distantes entre si, valendo citar, para não incorrer em tautologia, alguns trechos do corpo do acórdão referente ao RESPE nº 32.507, a justificar o posicionamento adotado pelo e. TSE na questão, de modo a preservar a alternância de Poder e a própria moralidade inerentes à uma Constituição Republicana que até há cerca de 10 (dez) anos atrás permitia tão-somente o exercício de um mandato relativo ao Poder Executivo, o que foi ampliado tão-somente em 1997, por meio da Emenda Constitucional nº 16, de 4.06.1997, que permitiu a re-eleição naquele Poder “para um único período subsequente”, o qual não pode ser ampliado da forma como vinha sendo até então, verbis (grifou-se):

[Ministro Eros Grau, Relator]

[...] Senhor Presidente, no Brasil, nos termos do que define o § 5º do artigo 14 da Constituição do Brasil, qualquer Chefe de Poder Executivo pode ser reeleito para um único período subsequente. Mas apenas para um período subsequente, um “único período subsequente. [...]

Quem interpreta a Constituição – e não simplesmente a lê – sabe que a regra do § 5º do seu artigo 14 veda a perpetuação de ocupante de cargo de Chefe de Poder Executivo nesse cargo. Qualquer Chefe de Poder Executivo – Presidente da República, Governador de Estado e Prefeito Municipal – somente pode, no Brasil, exercer dois mandatos consecutivos no cargo de Chefe do Poder Executivo. [...]

[Ministro Carlos Ayres Britto, Presidente]

[...] 4. Essa, pois, a discussão nos autos: saber se é lícito a uma pessoa ser “prefeito” por mais de dois mandatos consecutivos, ainda que em municípios diversos (um mandato num município, e dois mandatos em outro, no caso). Ou, ainda: se é constitucionalmente aceitável a figura daquilo que vem sendo apelidado de “prefeito intinerante”.

5. Pois bem, o Min. Eros Grau, Relator do feito, negou provimento ao recurso especial e, em consequência, manteve o indeferimento do registro de candidatura do recorrente. Isso, por entender que, no caso, “a fraude é evidente. (...) Fraude (...) consumada mediante o desvirtuamento da faculdade de transferir-se domicílio eleitoral de um para outro Município, de modo a ilidir-se a incidência do preceito”. [...]

6. Após analisar as peças dos autos, cheguei à mesma conclusão do Relator e da maioria que o acompanhou. É dizer: não se pode, mediante a prática de ato formalmente lícito (mudança de domicílio eleitoral), alcançar finalidade incompatível com a Constituição, qual seja, a perpetuação no poder. O apoderamento de unidades federadas para, como no caso, a formação de clãs políticos ou hegemonias familiares.

Em síntese, pois, a Corte Superior Eleitoral, atualmente, confere à hipótese de inelegibilidade prevista no art. 14, § 5º, da Constituição da República, interpretação restritiva, conforme acima se viu.

No caso em questão, os acórdãos que modificaram o entendimento até então adotado pelo e. TSE foram publicados em 17.12.2008, ou seja, antes das diplomações do Prefeito e Vice-Prefeito recorridos, as quais foram expedidas em 18.12 próximo, quando, segundo as referidas decisões, o recorrido Dário Berger era inelegível, nos termos do art. 14, § 5º, da Constituição da República.

Objetivamente, assim, em decorrência daquela interpretação da instância judiciária máxima da Justiça Eleitoral em sentido estrito, o Prefeito recorrido Dário Berger era, ao tempo da diplomação, inelegível, e mais, inelegibilidade advinda diretamente da Constituição da República, a qual pode ser agitada em sede de RCED, conforme precedente acima transcrito. [11]

Face à tal situação, não se pode invocar o princípio da segurança jurídica como pretexto a afastar a aludida inelegibilidade de ordem constitucional, que deve ser aplicada ao caso concreto ora sob julgamento, sob pena de se esvaziar o próprio conteúdo conferido ao art. 14, § 5º, da Constituição da República, pelo e. TSE.

Por fim, o Prefeito recorrido afirma que – (i) o art. 16 da Constituição da República, o qual prevê que “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência” e, seguido por outros recorridos, (ii) vários precedentes do e. TSE, traduzidos no que se transcreve a seguir, qual seja:

[...] 4. tratando-se de revisão jurisprudencial levada a efeito no curso do processo eleitoral, o novo entendimento da Corte deve ser aplicável unicamente aos processos derivados do próximo pleito eleitoral. [...] (AGRRESPE nº 31942 TSE, Relator Ministro Marcelo Ribeiro, publicado na sessão de 28.10.2008)

o ampara, já que preservam a segurança jurídica por aqueles invocada, o que também não é plausível que se aceite frente ao caso ora sub judice. Vejamos.

Quanto ao mencionado art. 16 da Constituição da República, este é dirigido ao Poder Legislativo em sentido estrito, no intuito de se evitarem, por exemplo, edições de emendas constitucionais, leis ordinárias e complementares oportunistas, visando beneficiar certos segmentos ideológicos ou partidários às vésperas do pleito eleitoral vindouro, por isso estabelecendo o lapso mínimo de um ano para preservar a lisura, em sentido lato, das eleições vindouras, o que não se aplica à questão ora posta.

Em relação ao precedente da Corte Superior Eleitoral acima citado, no sentido de que não seja aplicada a mudança jurisprudencial no pleito eleitoral em curso, mas tão-somente na próxima eleição, igualmente não é aplicável à espécie, pois este trata de inelegibilidade decorrente de legislação infraconstitucional (art. 1º, I, g, da Lei Complementar – LC nº 64/90), enquanto no presente caso, conforme acima demonstrado, tem-se inelegibilidade decorrente diretamente da própria Constituição da República, nos termos do seu art. 14, § 5º, não sendo crível que seja aquela afastada – inelegibilidade constitucional – em nome do princípio da segurança jurídica.

ANTE O EXPOSTO, a Procuradoria Regional Eleitoral, por seu agente signatário, manifesta-se

i. pela rejeição das preliminares suscitadas pelos recorridos;

ii. no mérito, pugna pelo provimento do recurso, cassando-se os diplomas expedidos aos recorridos.

Florianópolis, 6 de março de 2009.

CLAUDIO DUTRA FONTELLA

Procurador Regional Eleitoral



[1] Recurso Contra Expedição de Diploma – RCED nº 630 TSE, Relator Ministro José Augusto Delgado, publicado no Diário de Justiça de 20.06.2007, pág. 140.

[2] Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral – EEARESPE nº 26005 TSE, Relator Ministro Carlos Eduardo Caputo Bastos, publicado no Diário de Justiça de 7.03.2007, pág. 149 – grifou-se.

[3] Agravo Regimental em Agravo de Instrumento – AAG nº 7022 TSE, Relator Ministro José Gerardo Grossi, publicado no Diário de Justiça de 14.09.2007, pág. 223 – grifou-se.

[4] Processo nº 2147, Classe X – Consulta, Res. nº 7.340 TRE/SC, Relator Juiz Sebastião Ogê Muniz, publicado no Diário de Justiça de 24.09.2003, pág. 123.

[5] Recurso em Mandado de Segurança – RMS nº 21185 STF, Relator Ministro Moreira Alves, publicado no Diário de Justiça de 22.02.1991, pág. 1259 – grifou-se.

[6] Agravo Regimental em Recurso Contra Expedição de Diploma – ARCED nº 667 TSE, Relator Ministro José Gerado Grossi, publicado no Diário de Justiça de 18.03.2008, pág. 12 – grifou-se.

[7] Questão de Ordem em Recurso Contra Expedição de Diploma – QORCED nº 671 TSE, Relator Ministro Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto, publicado no Diário de Justiça de 5.11.2007, pp. 134-135 e republicado no Diário de Justiça de 13.12.2007, p. 183 – grifou-se.

[8] Recurso Especial Eleitoral – RESPE nº 32507 TSE, Relator Ministro Eros Roberto Grau, publicado na sessão de 17.12.2008.

[9] Recurso Especial Eleitoral – RESPE nº 32539 TSE, Relator Ministro Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira, publicado na sessão de 17.12.2008.

[10] Recurso Especial Eleitoral – RESPE nº 32539 TSE , idem.

[11] Agravo Regimental em Recurso Contra Expedição de Diploma – ARCED nº 667 TSE, idem.